Resumo
Este artigo tem a
finalidade de perpassar por conceitos, comparativos e usos feitos com o
inventário e tombamento, além de utilizar o Projeto de Mapeamento de Sítios
Arqueológicos dos Municípios de Cachoeira e São Félix como exemplo de
ferramenta da preservação e divulgação de um patrimônio específico.
Palavras-Chaves: Tombamento,
Inventário, Sítios Arqueológicos, Recôncavo Baiano.
Abstract
This article is meant to pervade by concepts, and uses comparisons made with theinventory and preservation, and use yhe Projeto de Mapeamento de Sítios Arqueológicos dos Municípios de Cachoeira e São Félix as an example of preservation and dissemination tool for a specific property
Keywords: recording as historic site,
inventory, arqueological sites, Recôncavo Baiano.
Tombamento
e inventário são apenas duas maneiras de proteção do patrimônio. O primeiro é
geralmente utilizado, quando um bem material (móvel ou imóvel) possui certa
relevância para uma comunidade, e prioritariamente ter caráter excepcional. A
partir desses dois pré-requisitos básicos, podem-se levantar alguns
questionamentos, que talvez sejam aqui apenas colocados e não resolvidos.
“A expressão tombamento advém do direito
português e tem significação de inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos
do TOMBO. A história portuguesa conta que a palavra TOMBO foi utilizada por Dom
Fernando, em 1375, para designar uma das torres da muralha que cercava Lisboa,
tendo esta torre a função de guardar documentos.” (RODRIGUES, 2003, p.33)
Quem
irá dizer que determinado bem é importante para um povo ou singular a ponto de
ser tombado? Será que a comunidade brasileira entende de fato o que é um imóvel
tombado? Quem tem o poder de fazer tal ato?
Uma
série de questões vem em nossas cabeças quando pensamos a cerca do tombamento,
assim como seus pontos positivos e negativos. Vale lembrar que o tombamento
apesar de ser de interesse “coletivo” ele apenas é feito através de um ato
administrativo discricionário e apenas ocorre via poder público. Ou seja, por
mais que um determinado indivíduo solicite, por exemplo, o tombamento da igreja
pertencente a sua comunidade, a qual ele julga ter um valor importante e
singular para o seu povo e o órgão público que ele recorreu não julgar tais
características relevantes tal bem não será tombado.
Mesmo
que hoje já se abarque de várias maneiras um pensamento mais social/democrático
para essas questões voltadas ao patrimônio, tentando incluir em suas
iniciativas a valorização de heranças culturais historicamente excluídas, não
podemos nos esquecer que a autarquia federal a qual se encontra a frente destas
questões (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN),
nasceu em um período que era cheio de ideais nacionalistas e até hoje ainda se
trabalha muito com idéias profundamente elitistas.
Por
que tombar um prédio neoclássico no meio da cidade de Salvador e não a casa de “Dona
Maria”, moradora de um bairro da periferia que foi uma personalidade importante
para aquele local, realizando benfeitorias para os moradores? Não estamos
colocando aqui que os grandes monumentos não devem ser tombados (até por que
estes também podem representar um determinado grupo, como estudiosos da
arquitetura), mas sim colocando em questão o julgamento e conseqüentemente o
processo seletivo que ocorre ao tombar bens móveis e imóveis.
Claro
que também não podemos acabar por tombar tudo, pois desta maneira o processo de
Tombamento acabaria deixando de ter seu valor enquanto procedimento de
proteção.
No
livro O que é Patrimônio Histórico de Carlos A.C Lemos vemos que estes
questionamentos são pertinentes quando se trata do que se preservar. Uma das
idéias colocadas por ele ao longo do texto é justamente propor a preservação de
não apenas um artefato urbano isolado, mas sim de um determinado conjunto.
Exemplo deste podemos ver através do próprio autor quando ele cita o tombamento
da cidade de Ouro Preto na década de 70.
Desta
maneira, percebemos que através de uma ação de proteção coletiva em um
determinado perímetro urbano, possibilita a existência de ‘um diálogo’ entre o
conjunto arquitetônico que foi tombado, ou seja, aquele que voltar seu olhar
para todos os prédios tombados próximos uns dos outros em uma determinada área
urbana, poderão perceber as várias semelhanças existentes entre eles, como
também suas diferenças.
Porém
é importante ressaltar que:
A cidade tem que ser encarada como um artefato como um
bem cultural qualquer de um povo. Mas um artefato que pulsa, que vive, que
permanentemente se transforma, se autodevora e expande em novos tecidos
recriados para atender as outras demandas sucessivas de programas em permanente
renovação. (LEMOS, 2004, p.47)
Em
Cachoeira, Bahia, há freqüentemente certo embate entre o IPHAN e os moradores
da cidade devido indiretamente a questões relacionadas a dinamicidade da
própria cidade. O centro urbano do
município foi tombado como Monumento Nacional pelo decreto
68.045 de 13 de janeiro de 1971.
No entanto, apesar de o governo ter utilizado
uma ferramenta protecionista para o legado da Cidade Heróica, existem aqueles que não enxergam tal ato de
maneira positiva ou nem mesmo conhecem sua importância, assim como os direitos
daqueles detentores de imóveis tombados.
Tudo isso nada mais é do que as conseqüências
geradas pela negligência do próprio governo em fazer com que os moradores e
utilizadores daquele espaço entendessem ou sequer soubessem usufruir do
tombamento. E assim, já se arrasta á 40 anos o desconhecimento da maioria da
população, relacionado a tal medida administrativa, assim como ao seu patrimônio
coletivo, que por sua vez, vem sendo até mais reconhecido e valorizado por
estudiosos e turistas.
O que deveria ter sido feito no momento
inicial até os dias atuais seria justamente ações educativas a fim de que a
população viesse reconhecer, proteger, gerir e divulgar seu patrimônio. Isto é
o que chamamos de Educação Patrimonial e pode ser entendido como “(...) um
processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no
patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo”. HORTA, 2003)
Se em um
legado edificado no centro da cidade Cachoeirana, que os moradores e
freqüentadores se deparam constantemente, não há de certa maneira,
identificação clara de um pertencimento individual e coletivo, o que dizer
então do patrimônio arqueológico ali existe?
Pensar em trabalhar com esta temática
específica na região é desafiador, pois se coloca para a comunidade algo que
ela não tem aproximação direta. Para eles, as ruínas de engenhos tão comuns na
região são apenas “restos de construções abandonadas”.
Estas conclusões foram tidas a partir do:
Projeto de mapeamento de sítios
arqueológicos: municípios de Cachoeira e São Félix, que
foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB)
através do Edital FAPESB Ação Referência Pedido Nº 5030/2008 e teve como coordenador o
professor Luydy Abraham Fernandes.
Este
projeto teve como objetivo, juntamente com a comunidade, mapear sítios
arqueológicos na região, com o uso de Sistema de
Posicionamento Global (GPS) e máquinas
fotográficas digitais. (SOUZA, 2010, p.7)
Para trabalhar com um patrimônio ainda
desconhecido e conseqüentemente não valorizado pela comunidade, foi preciso
estabelecer uma série de instrumentos pedagógicos (seminários e cartilhas), a
fim de que a população compreendesse o que ensejava mapear. De certa forma
estes instrumentos funcionaram também como um viés para que eles conhecessem,
mesmo que brevemente, como lidar com o patrimônio e principalmente o
arqueológico.
Finalizado o projeto, conseguimos obter
53 sítios arqueológicos mapeados. Sendo que dois foram indígenas e 51
históricos com subclassificações. Apesar destas iniciativas terem durado apenas
um período de dezesseis meses, já foi um avanço no Recôncavo Baiano, no que se
diz respeito à reflexão de questões
relacionadas ao patrimônio.
O registro fotográfico foi um dos
principais instrumentos utilizado no projeto de mapeamento. Assim como ele,
outro trabalho ainda na época de discente da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia - UFRB, que teve como nome “Cenário
urbano de Feira de Santana: memória e suas
modificações” evidenciam a fotografia como ferramenta
relevante na preservação da memória edificada.
Estas duas ações, mesmo que de maneira
suscita, mostram que a fotografia possui justamente a capacidade de ‘congelar’
a imagem de tal forma que, é possível fazer comparativos futuros, mostrando
assim, como era determinado imóvel e como ele se encontra atualmente.
Durante o projeto de mapeamento, nos
deparamos várias vezes com situações como essa. Ao chegarmos a uma área de
potencial arqueológico, víamos que o determinado casarão ou engenho já tinha
passado pelo processo de Inventário de Proteção do Acervo Cultural – IPACBA, o
qual havia sido utilizado como bibliografia em nossa fase inicial.
Este levantamento, que é também uma
forma de preservação, contém informações intrínsecas e extrínsecasdo
objeto, o qual foi inventariado, além de também constar a fotografia, que nos
permitia justamente fazer o comparativo e perceber o nível de degradação que
ocorreu ao longo das décadas.
Vale ressaltar que o inventário é mais
uma forma de proteção do patrimônio. Que por sua vez, é utilizado para aqueles
bens que não são abarcados pelo tombamento, justamente por não apresentar o
caráter da excepcionalidade.
O inventário
é
instituto de efeitos jurídicos muito mais brandos, mostrando-se como uma alternativa
interessante para a proteção do patrimônio cultural sem a necessidade de a administração
pública
se valer do instrumento do tombamento. (MIRANDA, 2008, p. 308)
Como ainda Paulo Miranda define, é
possível entender esta ferramenta como:
(...)
identificação e registro por meio de pesquisa e levantamento das
características e particularidades de determinado bem, adotando-se, para sua
execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica,
artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, ENTRE
OUTROS.
Os
resultados dos trabalhos de pesquisa para fins de inventário são registrados normalmente
em fichas nas quais há a descrição sucinta do bem cultural, constando informações
básicas quanto à sua importância, ao seu histórico, às suas características físicas,
à sua delimitação, ao seu estado de conservação, ao seu proprietário etc. Assim,
o inventário tem natureza de ato administrativo
declaratório restritivo porquanto importa no reconhecimento, por parte
do poder público, da importância cultural de determinado bem, daí passando a
derivar outros efeitos jurídicos que objetivam a sua preservação (...) (MIRANDA,
2008, p. 293-294)
No entanto,
pode-se perceber a partir desta breve reflexão, a existência das diferentes maneiras
para a preservação do patrimônio. Que vão desde as mais simples; podendo estas serem
executadas por qualquer grupo da sociedade, como os de pesquisas acadêmicas;
até ações mais complexas como o Tombamento; que por sua vez exige uma série de
estratégias antes, durante e depois, a fim de que o seu objetivo
preservacionista perdure e seja aceito por aqueles que são atingidos direta e
indiretamente.
É
preciso lembrar que ao decidirmos a ferramenta de proteção a ser utilizada,
estarmos certos que poderemos arcar com as demandas as quais ela necessita para
o seu cumprimento e sua finalidade.
Sendo assim, concluímos que é melhor optarmos por ações preservacionistas menos complexas e garantirmos sua execução do que por exemplo, tombar e não proporcionar políticas para a sua implementação ao longo do tempo. Não podemos esquecer também do essencial: diálogo entre a comunidade que será atingida diretamente, pois para os órgãos públicos a ação pode ser interessante, mas não necessariamente será para a comunidade envolvida. E caso ainda não satisfeito, que o poder público crie estratégias de esclarecimento para a necessidade de uma ação preservacionista mais precisa.
REFERÊNCIAS
BAHIA. Secretaria da Indústria e Turismo
(SIC) – IPAC- BA, Coord. AZEVEDO, Paulo O.D de Inventário de Proteção do Acervo Cultural, Salvador, SIC, 1984, 2°
edição. Disponível em: <www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/#content>. Acesso em: 7 de
outubro de 2011
BRASIL. Decreto 68.045,
de 13 de janeiro de 1971. Converte em
monumento nacional a Cidade Baiana de Cachoeira e da Outras providências.
Diário Oficial da União, 13 de janeiro de 1971.
FERREZ,
Helena. Documentação Museológica: Teoria para uma Boa Prática; in: Estudos de Museologia; Cadernos de Ensaios
n°2. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, 1994. P. 65-74
LEMOS, Carlos A.C., 1925. O que é patrimônio Histórico. São
Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos)
MIRANDA, Souza Marcos Paulo. O Inventário como forma constitucional de
proteção do patrimônio cultural brasileiro. Belo Horizonte: De Jure,
Revista Jurídica do Ministério Público de Minas Gerais, n.11, 2008, p 292-319
RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. Breve estudo sobre a natureza jurídica do
tombamento. Fortaleza: Pensar, v.8 n.8, 2003, p 32-38)
SOUZA, Marcelino Lise. Fotografias digitais de sítios do recôncavo. Ed.1 Cachoeira, 2010.
Apresentação (Graduação em Museologia) – Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia